Acervo
A reconquista do território – Etnografias do protagonismo indígena contemporâneo
Dados da Obra
Autor(es): Oliveira, João Pacheco de
Editora: E-papers
Ano de produção: 2022
Idioma Original: Português
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Catalogação da Obra
Cutter: R248
Titulo, Subtitulo e indicação de responsabilidade: A reconquista do território : etnografias do protagonismo indígena contemporâneo / organização João Pacheco de Oliveira. - 1. ed. - Rio de Janeiro : E-papers, 2022.
Notas: 438 p. ; 23 cm. (Antropologias ; 18) Inclui bibliografia
ISBN: 978-65-87065-46-5
Assuntos e pontos de acesso secundario: 1. Indígenas da América do Sul - Brasil. 2. Indígenas da América do Sul - Condições sociais - Brasil. 3. Etnografia. 4. Indígenas da América do Sul - Posse de terra - Brasil. I. Oliveira, João Pacheco de. II. Série.
Classificação do Assunto: CDD: 980.41
CDU: 94(=87)(81)
Responsavel: Meri Gleice Rodrigues de Souza - Bibliotecária - CRB-7/6439
Resumo
Este livro foi organizado com o objetivo de buscar compreender a formação e reconhecimento de territórios indígenas. Embora haja uma extensa e rica literatura sobre o assunto, a nossa impressão é que este fenômeno social foi abordado primordialmente como um processo administrativo e jurídico, não como um processo político que ocorre em distintas escalas e envolve temporalidades diferente , algo assim a ser estudado pela Antropologia e que estimule à elaboração teórica inovadora.
A demarcação de uma terra indígena é algo absolutamente central para o povo ou comunidade que ali constitui o seu homeland (terra natal ou, num sentido mais metonímico, “pátria”), assumindo um papel crucial no permanente processo de reorganização e auto-construção daquela sociedade, na constituição de redes de poder e autoridade, na atualização de suas tradições culturais e na formulação de sua identidade. A finalidade desses trabalhos é explorar analiticamente o território enquanto chave analítica para a compreensão das sociedades indígenas.
Os textos publicados estão todos referidos a um contexto espaço-temporal bastante definido, tratando fundamentalmente das demarcações de terras no Brasil em um período de cinco décadas (1970 a 2020). Não há porém qualquer intenção de construir um panorama histórico das demarcações durante este cerca de meio século. Isso exigiria focalizar as transformações na política indigenista ou na legislação pertinente, assim como
correlacionar tais mudanças com o estabelecimento de fronteiras internas e com movimentos globais.
Todos os textos, assim, estão dirigidos para a compreensão de situações específicas, mobilizando para isso o arsenal etnográfico de que dispõe os seus autores, que sem exceção escreveram teses ou monografias aprofundadas, voltadas especificamente para os casos aqui estudados. Também não houve qualquer intenção de esgotar o estudo das demarcações de territórios indígenas, mas de fazer avançar algumas hipóteses que possam ser úteis para o estudo antropológico destes processos.
Os trabalhos foram escritos e desenvolvidos separadamente, com a explícita recomendação de explorar as preferências teóricas e bibliográficas de cada autor. Seria difícil assim organizar por blocos temáticos os estudos aqui apresentados. Como as demarcações sempre duram longos períodos seria igualmente difícil conseguir ordenar os textos em função de uma cronologia histórica. Preferi assim agrupá-los por macro-regiões, iniciando com três estudos sobre os territórios indígenas no sul e Mato Grosso do Sul, seguindo com três textos sobre o nordeste e ao final apresentando seis trabalhos sobre a Amazônia.
Em uma primeira versão este livro foi um Dossier publicado em inglês com o título de “Fighting for lands and remaking their culture” no número 15 (2) da revista Vibrant – Virtual Brazilian Anthropology, em agosto de 2018, como uma maneira de oferecer à comunidade antropológica internacional um material atualizado sobre os indígenas do Brasil. Correspondeu a um esforço realizado no âmbito do projeto “Efeitos sociais das políticas públicas sobre os povos indígenas: Brasil, 2003-2018. Desenvolvimentismo, participação social, desconstrução de direitos, e violência”, do Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento/ LACED, apoiado pela Fundação Ford, em propiciar uma informação qualificada sobre os indígenas do Brasil ao público estrangeiro participante do 18º. Congresso da União Internacional de Ciências Antropológicas e Etnológicas (IUAES), realizado pela primeira vez no Brasil, em 2018, no campus da Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC. Envolvendo elevados custos de tradução, o número de artigos foi drasticamente limitado.
Como em toda coletânea, depois de reunidos os trabalhos, notamos algumas ausências importantes, que sempre resultam de razões diversas e circunstanciais. Tentamos em parte compensar isso com a inclusão de alguns novos e importantes trabalhos, como foi o caso do texto de Paulo Santilli (UNESP) e Nádia Farage (UNICAMP) sobre territórios indígenas em Roraima; de Estevão Palitot (UFPB) sobre a complexa situação de índios em partes urbanas e rurais no sertão do Ceará; de José Pimenta (UNB) sobre os Ashaninka do Acre; e um texto (dívida minha antiga!) sobre a demarcação Ticuna. Espero que contribuam para tornar ainda mais variado e complexo o painel anteriormente esboçado.
Ao reler todo o material para finalizar a composição do livro vim a notar dois aspectos que, apesar de não estarem entre as intenções explícitas do projeto original, sobressaem para o leitor atual, e que assim eu deveria aqui comentar.
O primeiro remete aos casos abordados. A demarcação de terras no Brasil foi ao longo do tempo justificada por três critérios:
. a) a postura tutelar a mais radical, em que cabia ao agente estatal proceder a uma eleição de área a ser atribuída a uma coletividade indígena, que ali viveria sob o regime tutelar;
.b) a postura que se auto-descreve como “técnica” aplicada pela FUNAI sobretudo a partir da década de 1980, na qual o território indígena é definido a partir de estudos antropológicos e ambientais que, com a consulta e anuência dos indígenas, é transformada em uma proposta de delimitação;
.c) a postura participativa e de protagonismo, na qual os indígenas, dada a paralisia dos procedimentos administrativos ou a sua judicialização, praticam as “retomadas” como forma de criar fatos políticos que possam viabilizar a mais curto prazo os seus direitos.
A grande maioria das situações abordadas refere-se a estas duas últimas modalidades de demarcação. A participação da cooperação internacional nos procedimentos técnicos, aqui limitada ao caso Ticuna, abrangeu outras importantes atividades de demarcação e reaviventação de limites realizadas em outras áreas da Amazônia, fato já muito bem documentado em publicações do GTZ e do ISA.
O segundo aspecto a destacar é que os artigos acabam por revelar o profundo comprometimento da pesquisa antropológica com a viabilização dos direitos territoriais indígenas. Uma grande parte da produção antropológica atual brasileira reflete extensamente sobre territórios e direitos indígenas, tutela e colonialismo interno, a relação entre etnografia e elaborações teóricas. Assim este livro aponta igualmente uma forma de fazer antropologia bastante diversa das recomendações mais frequentes do mainstream.
A publicação deste livro integra o projeto de pesquisa “Efeitos sociais das políticas públicas sobre os povos indígenas: Brasil, 2003-2018. Desenvolvimentismo, participação social, desconstrução de direitos, e violência”, cujo coordenador geral é o prof. Antonio Carlos de Souza Lima, e desenvolvido pelo Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento/ LACED, com apoio da Fundação Ford.
Que este livro, que vem à tona num momento bastante duro e adverso aos indígenas na vida política brasileira, possa servir como um registro histórico eloquente de algumas das tantas lutas e conquistas realizadas durante o período que aborda. Que possa assim alimentar o espírito de indignação, resistência e protagonismo face ao genocídio, a indiferença e a omissão, estimulando a esperança num país plural, justo e democrático.
Rio de Janeiro, setembro de 2021.
João Pacheco de Oliveira