Acervo
O nascimento do Brasil e outros ensaios – “Pacificação”, regime tutelar e formação de alteridades
Dados da Obra
Autor(es): Oliveira, João Pacheco de
Editora: Contra Capa
Ano de produção: 2016
Idioma Original: Português
Download em PDFOutros Links
Catalogação da Obra
Cutter: 16-0744
Titulo, Subtitulo e indicação de responsabilidade: O nascimento do Brasil e outros ensaios : “pacificação”, regime tutelar e formação de alteridades / João Pacheco de Oliveira. – Rio de Janeiro : Contra Capa, 2016.
Notas: 384 p. : il. color.
ISBN: 978-85-7740-206-9
Assuntos e pontos de acesso secundario: 1. Índios da América do Sul - Brasil 2. Antropologia 3. Brasil - História I. Título
Classificação do Assunto: CDD 980.41
Responsavel: Angélica Ilacqua CRB-8/7057
Resumo
Este livro reúne textos que, nos últimos anos, a convite de colegas historiadores e antropólogos, escrevi para conferências em congressos, artigos em revistas e coletâneas. Abordam eventos, personagens e processos de momentos distintos da história dos indígenas no Brasil, descritos e analisados de maneira separada, sem a intenção de estabelecer entre eles qualquer forma de continuidade cronológica ou nexo causal. Correspondem a olhares específicos que, embasados numa perspectiva etnográfica e dialógica, vim a lançar sobre alguns episódios importantes na história do Brasil. Em todos eles, a intenção é reexaminar criticamente as interpretações atribuídas à presença indígena, explicitando as múltiplas formas de agência e participação que as populações autóctones tiveram na construção da nação.
Nunca me preocupei em delimitar unicamente uma história dos indígenas, mas sim, em refletir sobre conjuntos de relações estabelecidas entre os indígenas e os demais atores e forças sociais que com eles interagiam. Não é possível entender as estratégias e performances indígenas ignorando as interações que mantêm com os contextos reais em que vivem – ou seja, as relações interétnicas na escala local, a inserção dentro de um Estado-Nação, bem como as redes e fluxos transnacionais. A história, em suas múltiplas escalas e temporalidades, não pode ser concebida como algo exterior e acidental, mas “um fato constitutivo, que preside à própria organização interna e ao estabelecimento da identidade de um grupo étnico” (PACHECO DE OLIVEIRA, 1988:58).
Em geral, as ações indígenas no passado – e também no presente – são explicadas a partir de representações distorcidas e estigmatizantes, que impossibilitam a compreensão dos objetivos e significados que tiveram para os seus contemporâneos, levando os leitores (atuais e do passado) a minimizar a importância dessas iniciativas. Os meus textos, assim, frequentemente precisam ser iniciados por uma revisão crítica das fontes, procedendo a uma operação historiográfica, no sentido apontado por De Certeau (2002).
Recolocar os indígenas como agentes efetivos na construção do Brasil não é uma tarefa com repercussões restritas e pontuais. À semelhança de mexer em um castelo de cartas, somos involuntariamente conduzidos a rever as interpretações mais frequentes e consagradas que eminentes historiadores, sociólogos, geógrafos, economistas e antropólogos formularam sobre o país. Buscar compreender melhor – mais além dos estereótipos – as motivações e significados das ações realizadas por indígenas implica lançar outra luz sobre eventos e personagens da história nacional. As repercussões disso frequentemente vão muito além da temática indígena e dos objetos usuais da etnologia.
Longe de se limitar, assim, a um exercício circunscrito de história indígena, etno-história ou etnologia indígena, os artigos que integram este livro constituem exercícios de uma antropologia histórica. Não tomam como foco de sua atenção exclusivamente os atores indígenas e as diversificadas culturas que elaboram, nem pretendem de modo algum limitar-se a redescobrir sentidos para as ações indígenas dentro de uma história convencional do Brasil, bem como das cronologias e significados nela estabelecidos e cristalizados. O que fazem é lançar desafios e hipóteses interpretativas heterodoxas e originais sobre o processo de nation building, esperando assim contribuir para uma melhor compreensão das contradições e jogos políticos e ideológicos que caracterizaram a formação da nação. Não estaremos falando apenas do passado, mas de conflitos e processos atuantes na contemporaneidade brasileira.
Os textos que constituem os capítulos deste livro mantiveram em geral a sua versão original ou foram muito pouco alterados. Pretendi, assim, intencionalmente preservar no livro o caráter de exercícios analíticos fragmentários, de ensaios que dialogam com bibliografias e temas distintos, e que propõem uma compreensão nova sobre fatos claramente delimitados. Na seleção dos artigos e comunicações, transformados em capítulos, em momento algum planejei preencher “buracos” temporais, temáticos ou analíticos. Não se trata de uma monografia histórica, este não foi de modo algum o meu objetivo com este livro, que realiza intervenções dirigidas, críticas e pontuais.
As interpretações e hipóteses aqui avançadas, sempre realizadas em cenários particulares (“locations”, no sentido usado por Appadurai, 1996), representam um conhecimento posicionado e comprometido (no sentido usado por Donna Haraway, 1988), implicando o desenraizamento de preconceitos e de horizontes coloniais, possibilitando apontar, ainda que como totalidade virtual, outra narrativa sobre a nação brasileira.
A minha trajetória em antropologia está relacionada a trabalhos de campo com indígenas do Amazonas – os índios Ticuna da tríplice fronteira (Brasil, Colômbia e Peru) –, e, mais tarde, ao estudo de políticas públicas (sobretudo relativas à formação de territórios étnicos). Na década de 1990, porém, comecei a interessar-me pelos povos indígenas no Nordeste, orientando e estimulando pesquisas de campo e de arquivo. Em especial, os processos de etnogênese vieram a mobilizar minha atenção, vindo em articulação com diversas universidades da região a abrir uma nova linha de pesquisa no Museu Nacional, da qual resultou uma extensa produção acadêmica (14 dissertações de mestrado, 6 teses de doutorado e 2 coletâneas).
Em 2005/2006, permanecendo na região por 18 meses como pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), estando sediado na Fundação Joaquim Nabuco, visitei muitas aldeias, e pude conhecer no plano local as múltiplas formas políticas e culturais que assumiam as etnogêneses e o processo de resistência indígena. Um dos objetivos centrais era a organização, juntamente com uma organização indígena, a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), de uma exposição sobre os indígenas do Nordeste, intitulada “Os Primeiros Brasileiros”, o que me exigiu também uma extensa pesquisa histórica e iconográfica. Disso resultou um diálogo com a perspectiva historiográfica e algumas vertentes teóricas da história, bem como uma maior aproximação com a antropologia do colonialismo. A maioria dos textos que integram este livro estão de algum modo relacionados a esta última fase de estudos e pesquisas.
Apesar de concebidos em diferentes momentos e com motivações e corpus empíricos distintos, cabe destacar que os textos que compõem este livro estabelecem uma relação de mútua dependência e de complementariedade, da qual só vim a ter uma consciência mais clara ao reuni-los e revisá-los. Isso decorre certamente de uma mesma perspectiva analítica, cujos referenciais estão sempre presentes e operantes em todos estes trabalhos, apesar das descontinuidades temporais e temáticas.